terça-feira, 3 de maio de 2016

A mulher adúltera

Manhã, clara manhã de sol rompendo as brumas, como um barco vermelho a singrar entre espumas... Campo de Luta. O sol é um gladiador selvagem e tinge com seu sangue a sombra da paisagem... ...Jesus, depois de orar a noite inteira, envolto em manto singelo, o cabelo revolto, a barba em desalinho, as sandálias manchadas pelo vermelho pó das longas caminhadas, ensinava no templo apresentando ao povo a larga nitidez de um horizonte novo... A estrada do porvir, imensa, inatingida, a nova Canaã, a Terra Prometida, que Moisés procurou no meio do deserto, parecia tão longe e estava ali tão perto! Ele era a porta aberta, o ensinamento, o exemplo... Nisto um bando sinistro avança pelo Templo, escribas, fariseus, num cínico mister: - Prendamos a Jesus, matemos a mulher! ... Em meio ao burburinho uma jovem bonita, pálida, maltratada, atirada e maldita pela lei de Moisés, esperava a sentença, "o prêmio do pecado", a negra recompensa de um ilícito amor. Envergonhada e muda, aguardava o suplício, a pedra pontiaguda que em seu corpo moreno, em ferida medonha selaria a desgraça, o martírio, a vergonha... Depois, a treva imensa e um corpo ensangüentado expostos para exemplo: "o prêmio do pecado". Fora presa em seu leito imundo e deletério no instante em que a paixão se fizera adultério. No intenso vozerio, uma voz se levanta: - Jesus de Nazaré, que dizes desta santa?! Merece a maldição que nossa lei ensina, ou merece o perdão que é da tua doutrina?... Jesus indiferente, alheio à multidão, abaixa-se a escrever com o dedo no chão. Depois, ergue-se altivo, os olhos vivos, a alma profundamente clara, imensamente calma, e destrói a pergunta em um único brado: - Lance a primeira pedra o que não tem pecado! Abaixa-se de novo o Pai dos Evangelhos e o povo se dispersa, a partir dos mais velhos. Só Jesus e a mulher. O perdão e o pecado, a negra escuridão e o dia iluminado... A humilde pecadora aguarda comovida o fim que lhe daria o que lhe dera a vida... - Ninguém te condenou? - pergunta o Nazareno. - Ninguém, Senhor, ninguém. - Pois nem eu te condeno. E, erguendo meigamente os olhos paternais, falou: - Podes partir. Mulher, não peques mais!!!

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